É possível criar gado de forma sustentável? Projeto na Amazônia mostra que sim
Os animais ficam soltos na natureza, se beneficiam de sombras naturais, água fresca e recebem a ração preparada a partir de capim cortado, espalhado em diferentes regiões da propriedade
Mais de 40% do gado no Brasil está na região da Amazônia Legal, segundo o Censo Agropecuário de 2017 (último levantamento feito pelo IBGE). Para garantir a sustentabilidade da atividade, a produção de gado na região tem buscado alternativas que reúnem preservação ambiental e produtividade para a pecuária na região amazônica.
A criação de gado sustentável é um sonho que tem sido cada vez mais real para a Pecuária Saad, localizada em Amajari (RR). O proprietário, o paranaense Bechara Saad, de 67 anos, foi para a região de Roraima em 1979, período em que o governo estimulava a migração de produtores com seus rebanhos para a região amazônica, sob o slogan “Integrar para não entregar”.
Desde o princípio, Bechara trabalha com gado e, desde 2019, está desenvolvendo o manejo sustentável do rebanho. Em sua propriedade, no extremo norte de Roraima, ele iniciou o trabalho de implantação da pecuária verde.
O gado fica concentrado em pequenas áreas que variam de 50 a 100 hectares, chamadas de piquete. Nesse espaço, os animais ficam soltos na natureza, se beneficiam de sombras naturais, água fresca e recebem a ração preparada a partir de capim cortado, espalhado em diferentes regiões do piquete. À medida que o animal pisoteia, se alimenta e excreta, o solo vai se enriquecendo de matéria orgânica.
“O solo vai ficando cada vez mais poroso, a pastagem cada vez mais verde, vai absorvendo melhor a umidade e vai sentindo cada vez menos o efeito da seca. Há ausência total de fogo. O gado come alimento fresco, fica mansinho. É uma coisa inacreditável”, explica animado o pecuarista.
Após 60 dias, o rebanho é conduzido a outro piquete e aquela pastagem anterior naturalmente se regenera. “É um sistema muito bom e tem a vantagem que as pastagens vão ficando cada vez mais exuberantes sem adição química – depois das pastagens formadas. E, então, vai ter uma captação de CO² no solo e não emissão de CO² na atmosfera. É muito sustentável”, acrescenta Saad.
Incentivo à sustentabilidade
A iniciativa da Pecuária Saad, pioneira na região, recebeu apoio do Banco da Amazônia (Basa). Além dele, outros 11 produtores da Região Norte receberam incentivo financeiro e técnico para desenvolver projetos que reúnem criação de gado e sustentabilidade. Eles fazem parte de um projeto piloto do Basa que recebeu o nome de Pecuária Verde.
A partir da experiência desses 12 proprietários, o Basa está desenhando um novo produto para apoiar projetos de pecuária sustentável na região amazônica. “A seleção deles se deu em virtude de serem produtores tradicionais que já empregavam iniciativas ‘verdes’ em seu processo produtivo. Com esse apoio creditício e técnico, esperamos potencializar e aperfeiçoar esses empreendimentos, em bases sustentáveis sólidas”, diz o superintendente regional do Basa do Amazonas e Roraima, Esmar Prado.
Atualmente na fase de modelagem, o projeto Pecuária Verde deve atender ao menos mil propriedades, abrangendo 5 mil trabalhadores, estima o superintendente. A ideia do Pecuária Verde é que os beneficiários sejam capacitados para utilizar as melhores tecnologias e práticas, sem desmatamento, com a manutenção das áreas a serem preservadas e o conforto animal.
“Não é produzir por produzir. É produzir com uma base socialmente e ambientalmente responsável, observando todas essas questões que envolvem a nossa segurança futura do meio ambiente”, explica Prado. O produto deve ser lançado para o mercado em meados de agosto.
A nova linha de crédito está sendo feita a muitas mãos. A área técnica da instituição financeira conta com a experiência dos produtores e com a parceria da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) e do projeto Finanças Brasileiras Sustentáveis (FiBraS). A nova modalidade se alinha aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Reportagem, Angélica Cordova